E num instante regressei para aquela sala, com todos os “pisss” e medos.




Fui apanhada de surpresa. E atingiu-me que nem uma agulha. Já não o via desde do nascimento do Francisco, desde dos cuidados intensivos, desde que tive alta, três semanas depois.


Percebi que era ele pela voz, inconfundível aos meus ouvidos. Não me virei, sabia que não me iria reconhecer de mascar, cabelo preso, ambos no estúdio de Pilates.

Senti-me tão mal. Senti vontade enorme de chorar, e devo ter ficado branca. Ele ali, a ter a sua aula, com a sua vidinha normal , eu ali por causa dele. Eu nos medicos por causa dele, eu com a minha vida toda mudada por causa dele, e a dele em nada mudou. Ouvi dizer que se tinha reformado logo após aquilo. Algo que já deveria ter feito muito antes dos meus nove meses. 

Mas foi o ver, ali tão perto, a divagar sobre a guerra, qual entendido, e eu ali, muda e praticamente imóvel. Só me vieram á cabeça as imagens tão vivas das máquinas todas a apitar. Da cara das enfermeiras que me diziam durante o dia todo que tava tudo bem, embora insistisse que não. Dos tubos que saiam do meu corpo, do som de fundo dos piiis todos de todas nos que estávamos la em baixo. Éramos seis, nao os via, mas ouvia os enfermeiros. As horas que ficava a olhar para as fotos dos meu dois filhos e outra mais pequena do bebé que quase nem tinha visto. Lembro-me de tudo o que passou pela cabeça, cada imagem que vi que poderia ser o meu futuro, tudo o iria perder, e pedia só tempo. Mais tempo para ver todos, mais tempo para agarrar o meu recém nascido, mais tempo para absorver os seu cheirinho de bebé, mais tempo para abraçar os três, mais tempo abraçar o J. Mais tempo para mim, para viver com a minha familia, com os meus pais e irmãos.  Mais tempo para eu viver, com eles todos,. Pedi, rezei, chorei. Pedi mais, rezei mais e chorei abafadinho para ninguém ouvir ou ver.

E hoje veio tudo ao de cima, aqueles encontros infelizes. Acabei a aula mais cedo, muito mais cedo. Não conseguia assinar o meu nome, pois tremi. Vim embora a pé, e a chorar, regressei para aquela cama, naquela unidade, naquela solidão, naquele medo. 

A minha vida mudou toda, a da minha familia também, por causa dele. E para ele nada mudou. Só o cabelo, está todo branco. 


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