Da dor solitária

 




Numa consulta, o médico falou da dor, da minha dor crónica, da minha dor neuropatica. Perguntou-me se tinha um bom sistema de apoio, disse que sim. Mas não deixa de ser uma dor solitária, respondi-lhe.

Por muito bom ou consolidado que seja o nosso sistema de suporte, a dor é sempre solitária. Claro que partilhamos a dor com a família, mas para além de eles não a sentirem, logo não sabem o que sentimos nem como. Mas é solitária porque nao vamos , ou melhor não vou, estar a dizer sempre o que me dói. Olha agora dói aqui, passados dez minutos, afinal já são formigueiros nos pés, passados 3 horas, está a doer a cara do lado esquerdo, passado 1  hora, afinal já passou para o direito , enfim. Começamos a ser chatos, hipocondríacos, irritantes e piquinhas, cheios de dores e doresinha e coisinhas. E ninguém quer ser uma companhia chata , portanto ignoramos a dor e agimos como se tudo estivesse bem.

Há pouco tempo atrás, estive mal. Notam logo pela minha voz, que parece que fica mais enfraquecida e pequenina, perguntaram e eu disse, sinto isto, sinto aquilo, sinta mais isto é tenho medo que aquilo aconteça. A pessoa do outro lado do telefone, respondeu com um pois…..

Mudou-se de assunto e falei como se nada fosse. Apeteceu-me chorar.

Mas ontem estavas tão bem, como é que hoje estás assim? Não, ontem não estava tão bem, ontem apenas não disse o que sentia e fingi que sentia nada. 

Ninguém acredita, não há um dia , um único dia, que não tenha qualquer tipo de dor. É verdade. E eu já aceitei isso, embora muito contrariada, e já finjo que nada sinto.

Mas sinto, e sinto sozinha, la no fundo, sem ninguém para realmente perceber o que me dói, o quanto dói, e como me dói. Por vezes são fisgadas , outras formigueiros, outras pulsações, outras irradiações  que queimam a pele por dentro. Picos nos pés ao andar, gengivas inflamadas e com feridas , enfim, como é que alguém irá perceber isso tudo se nem sequer sabe o que é sentir assim. É uma dor física, mas não física, porque sinto uma enorme solidão , um enforme esforço para não chorar e disfarçar, um enorme esforço para estar presente e atenta. E por muito que tenha ajuda, nunca vão entender.

E o cansaço? Uns chamam preguiça.

Eu, há dias, que apenas respondo à pergunta, e tão o que fizeste hoje, sobrevivi. 

Sim, porque é exatamente isso que consegui fazer. Sobrevivi, a contar as respirações, para passar mais um dia. 

(Foto: happy place )


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