Viver uma gravidez depois de perder


Lidar com a perda, já por si só é difícil e avassalador. Sentimentos de culpa pairam no ar, um luto por fazer e uma dezena de perguntas sem resposta. Aos olhos do mundo lá fora, que ( inexplicavelmente) continua a girar como se nada tivesse acontecido, é um luto impróprio e sem razão de ser. 

Cá dentro, é um futuro despedaçado, uma parte do coração que morreu e desapareceu, um buraco oco e fundo a substituir o corpo. 

Engravidar a seguir a perder, não é fácil. Viver a gravidez não é tranquilo nem sereno, nem tão pacífico  como fazem crer. São (muitos) medos e (imensas) incertezas sobre tudo e, sobre nada. É uma batalha constante entre a dor do que aconteceu no passado e o medo terrível do que poderá nunca acontecer.   Será que pode voltar a acontecer? Será que fiz bem? Será que fiz mal? 
Posso fazer isto? É normal sentir aquilo? E se for algo pior? Mas como sei que o que estou a sentir é igual ao que deveria sentir?

O medo de sentir a ligação com o bebé, o medo ficar tão apaixonadas por aquele ser minúsculo para depois perder tudo inexplicavelmente, é grande e real. Se por um lado a mãe quer entregar-se de corpo e alma ao bebé, por outro tem tanto medo de cair no precipício outra vez e sem rede de cobertura. 
Deixo-me sentir? Ou protejo-me do futuro?

Passam os minutos a contar os dias que faltam, andam na incerteza de quando e a quem vão contar, pois sabem que se algo acontecer deixará de ser segredo, e a dor passa a ser pública, com perguntas bem intencionadas mas que vão despoletar uma série de emoções para as quais nem a mãe nem os outros estão preparados para assistir ou sentir.

O medo de se ligar ao bebé é grande e fica ainda mais pesado quando se apercebe que este bebé indefeso e inocente cá não estaria se tivesse corrido tudo bem. Esta dualidade do passado versus o presente preocupa a mãe e condiciona as suas emoções. E a temível pergunta:  "é a primeira gravidez?" deixa sempre aquela nostalgia amarga e um sorriso forçadamente esboçado por entre um "sim" desgostoso. 

Mas a medida que o tempo vai passando, com o ultrapassar do dia D temido, começa a ser tudo mais verdadeiro e devagarinho começa a ganhar forma e feitio. A mãe deixa-se ir, deixa-se sentir, e vive.  



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foto: pinterest

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Comentários

  1. Conheço bem estes sentimentos, estas hesitações, estas dúvidas... Tive três gravidezes e tenho dois filhos nascidos. Aquele que não nasceu também faz parte. Faz parte da nossa história e tem um lugar na nossa família. E se por um lado dá um nó na garganta pensar nele (porque ele existia, mesmo que, no meu caso, tivesse partido bem cedo, ainda nem feto era... mas já era um bebé na nossa imaginação, nas nossas ideias de futuro...), por outro lado tenho gratidão, porque abriu espaço para celebrar hoje a vida (e a vinda) da Mariana. O que tentamos esquecer, ou o que tentamos apagar, ou o que tentamos adormecer... acorda, mais cedo ou mais tarde, em nós ou nos outros...

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