(Tentativa de ) Um diário do Covid

 


Ando com vontade de escrever. Tenho uma boa relação com as palavras, e cada vez mais penso em escrever, como acto terapêutico, que tem tanto de invasor como de libertador. 
O quê, ainda não sei bem, talvez o que vejo, ou o que sinto, ou talvez nada de jeito, inventado e imaginado, real ou não. Sinto que estamos a viver tempos realmente extraordinários, uma guerra invisível e que terei pena de olhar para trás e não ter registo nenhum. 

Desde que isto surgiu que o mundo está de pernas para o ar. Eu estou de pernas para o ar. Deixei de nadar. Com pena minha, deixei de sentir aquele friozinho ao entrar na água, aquele arrepio a passar a barriga e nos ombros. É uma verdadeira sensação única,  estar na água, envolvida sem peso, tudo fluido. Um aperto aconchegado à cabeça e aos nervos, que percorre todos os tendões e músculos. Deixo de sentir. Aquele barulho calado da cabeça passa desapercebido, e somos um só corpo. Lado esquerdo e direito unidos como há já muito tempo não estavam. Dão um abraço, sentido e com saudades. É bom. Deixo de sentir, só respiro enquanto dou braçadas e ondulo o corpo ao som da música que não existe. Respiro, cada vez com mais força, as pernas e os braços trabalham em conjunto , de forma articulada e ao mesmo ritmo. Respiro, viro a cabeça para o outro lado, abro os olhos, vejo de rajada a janela grande e sinto o sol a entrar. Respiração mais forte, sei que estou a chegar ao ponto da viragem. Mentalmente conto as piscinas que já fiz. Não penso, apenas estou, sinto os músculos das costas a trabalhar enquanto o braço faz o que tem a fazer. Pernas movimentam com mais intensidade e tudo fica mais denso. É maravilhoso sentir a unidade do lado esquerdo de mão dada com o lado direito, é maravilhoso sentir a cabeça limpa. Faço a viragem, mudo de estilo. 
Corpo mais ondulado, respiração mais lenta e intensa, cabeça dança ao ritmo dos braços, e pernas não falham a deixa para entrar neste jogo cronometrado entre moléculas e células, um trabalho intrínseco entre os membros superiores e os inferiores. Respiro, estou a chegar. Deslizo para o lado oposto, estou submersa e a sentir a água a passar por mim. Fico debaixo de água, sem peso, sem sentir.

De fato-de-banho colado, touca a pingar, cabelo enrolado, e marcas fundas dos óculos, saio enrolada numa toalha seca e áspera, que não cobre o corpo todo. Adapto a respiração à nova temperatura. Ondas de bem-estar percorrem o corpo, misturadas com um cansaço bom. Um boost de energia e de endorfinas naturais, alimentam o corpo, a cabeça, a mente, e o coração.

Saio, olho para trás, piscina vazia, uma imensa água azul, com cheiro a tranquilidade e tentação para mais umas rodadas. Até já. Amanhã não, depois. Até já.
Agarro-me à sensação serena com que fiquei,  peço que dure dois dias, saio orgulhosa do recorde que bati.

Ai a falta que me faz !

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